─ Você não
se importa comigo! Estou cansado disso! – bateu a porta e foi embora.
Leila já estava acostumada a ouvir
a frase: “você não se importa...”. Ouvira de seus pais, dos amigos – quando os
teve – dos ex-namorados... Assim, Joaquim não a ofendera, nem mais, nem menos
que todos os outros que já haviam lhe proferido aquelas palavras.
Ela já estava acostumada, por isso
não chorou. Aliás, chorar era uma coisa rara de acontecer com Leila. Já nem
sabia há quanto tempo a última lágrima correu por seu rosto.
Leila não era uma pessoa ruim, ao
contrário, gostava de ajudar os outros e andava com ração na bolsa para dar a
algum gato ou cachorro abandonado, que pudesse encontrar pela rua.
Quando Joaquim conheceu Leila, não
demorou muito pra se apaixonar por seu “mistério no olhar”, como ele mesmo descreveu.
Começaram a namorar e eram até felizes, mas, passado o êxtase do início do romance,
as brigas logo se abancaram. Joaquim gostava de mandar mensagens ao celular de
Leila, dizendo o quanto a amava, mas se irritava quando ela respondia com um
“eu também”, ou um “:)”, ou simplesmente não respondia.
Os homens precisam de alguém lhes
afirmando as coisas que eles acham que sabem. As mulheres, não todas, mas as
mulheres como Leila, não gostam de repetir coisas de que já sabem.
Leila amava Joaquim, de uma forma
que ele jamais desconfiaria. Afinal, Leila nunca chegou nem perto de tentar
falar a ele tudo o que havia em seu peito. Nunca chegou a falar, mas em seu
pensamento Leila construía as mais lindas declarações que Joaquim nunca chegou
a ouvir, ninguém ouvira, somente Leila.
Ela era, ao mesmo tempo, atriz e
plateia de seus monólogos extensos e tão complexos que nunca chegaram a sair de
sua boca, porque um público de verdade a chamaria de louca. É, talvez Leila
fosse mesmo louca.
As pessoas não a entendiam, ela
sempre fora "estranha" aos olhares alheios, mas para Leila, era uma
pessoa normal, não tinha nada de mais, Leila se entendia bem e tinha uma excelente
percepção sobre si. A única coisa na qual ela sabia que era diferente dos
outros era quanto à sua incapacidade de falar sobre seus sentimentos, expor
suas ideias, dizer coisas simples como um "senti sua falta" ou
"eu gosto de você".
Alguns dias depois, Leila estava
terminando mais um de seus quadros - tinha muito talento para a pintura -
quando o telefone tocou:
─ Alô?
─ Srª Leila Aguiar?
─ Sim...
─ Aqui é do hospital...
Alguns segundos ouvindo - transtornada - o que a mulher lhe dizia do
outro lado da linha e Leila larga o telefone aos prantos. Caiu no chão,
derrubando suas tintas, pincéis e telas... Pintava-se naquela sala uma cena que
Leila já havia visto algumas vezes.
Joaquim havia sofrido um acidente, morreu minutos depois de chegar ao
hospital, seu último pedido foi que dissessem a Leila que ele a amara muito, mais
que a qualquer outra pessoa nessa vida.
─ Por quê? - se perguntava Leila soluçando - Por que isso sempre
acontece comigo, meu Deus? Ele ao menos conseguiu me dizer, pela última vez,
dentre tantas, que me amava, enquanto eu, mal consegui dizer isso a ele umas
três ou quatro vezes.
Leila já havia perdido seus pais e alguns amigos sem dizer a eles, ou
relembrá-los que os amava, que sentia falta deles, que se importava com eles. Leila
só não percebia que ela mesma ia se perdendo nessas perdas dos outros, perdia
forças, estímulo, vontade de viver. Leila precisava de ajuda, mas ninguém a
ajudou.
Ninguém mais teve notícias de Leila.